Neste momento de trabalho remoto causado pela epidemia, nos demos conta da dependência dos processos educativos e pedagógicos em relação às tecnologias digitais, algo que se admitia no passado, mas que se limitava a iniciativas mais pessoais do que institucionais, ou cumprimentos de políticas públicas de educação. A ação costuma vir da necessidade, e não apenas da teoria gerada pela pesquisa mais teórica. As aplicações das tecnologias digitais nos processos pedagógicos sempre tiveram essa característica.
O assunto tem sido, tradicionalmente, tratado com ares de “revolução” e de “mudança”. Cada inovação tecnológica parece gerar sempre uma esperança de evolução paradigmática na educação. Mas tal expectativa nem sempre se concretiza, já que existem interesses econômicos envolvidos e uma sofrível base teórica que justifique o otimismo exacerbado. Confundimos, quase sempre, meios com fins.
Um dos expoentes do emprego de computadores na educação, Seymour Papert, imaginou uma escola diferente – conduzida por alunos motivados e desafiados pela tecnologia digital. Aulas baseadas em mera transmissão de conteúdos prontos seriam substituídas por atividades em computadores, com o objetivo maior de ensinar a pensar, e não memorizar. Desenvolveu uma metodologia de ensino e de aprendizagem apoiada nos algoritmos computacionais. Assim, ao invés de se ensinar a uma criança o que é uma árvore, permitia-se a ela descobrir como a natureza cria, de fato, uma árvore. A descoberta e a curiosidade seriam elementos promotores da aprendizagem. Salto epistemológico de grandes proporções.
Mas Papert – cofundador, com Marvin Minsky, do Laboratório de Inteligência Artificial (LIA) do MIT (Massachusetts Institute of Technology), mostrou-se preocupado com a radical proposta pedagógica por ele apresentada, nos últimos anos de sua notável carreira. Declarou sentir saudades das “grandes ideias” dos primeiros dias do LIA. Lembrou que a proposta original previa: a) estudar a natureza do conhecimento
humano, por meio da Inteligência Artificial; b) estudar o desenvolvimento da criança (numa perspectiva piagetiana, já que Papert trabalhou alguns anos com Piaget, na Suíça); e c) desenvolver uma ciência da computação amigável às crianças. Para Papert, as três ideias foram iniciadas em “escala galáctica” e depois reduzidas e trivializadas. E se perguntou: “o que aconteceu com a revolução da educação pelo computador?”.
Uma decepção notável de Papert foi ver Piaget reduzido a estratégias simplistas para se apresentarem problemas matemáticos. Pois teria sido, segundo Papert, um teórico de como a mente funciona. Propôs que a aprendizagem pode acontecer sem ser planejada ou organizada formalmente nas escolas. As crianças podem se desenvolver intelectualmente sem serem apenas ensinadas.
A tecnologia poderia, então, nos ajudar a entender a própria inteligência humana, numa relação de colaboração e de auto entendimento. A área da Inteligência Artificial não deveria servir apenas para dirigir carros autônomos, fabricar peças e aplicar dinheiro nas bolsas de valores. Estas são ações operacionais, e não epistemológicas. E ainda: deveríamos ter trazido a ciência da computação para as escolas, e não apenas computadores. O pensamento computacional poderia ser modelo de como as mentes dos alunos funcionam.
Papert viveu num momento histórico que considerou que a simples presença de tecnologia nas escolas seria garantia de mudanças paradigmáticas nos processos pedagógicos. Mas sabemos que o amplo acesso às máquinas e dispositivos digitais não mostrou correlação direta e expressiva com desempenho acadêmico. Uma simples cultura de mídias não será o caminho exclusivo de uma educação inovadora. Trocar lápis e papel por telas digitais, sem uma real noção de relações epistemológicas de aprendizagem, não garantirá a “revolução da educação”. Afinal, todos têm hoje um computador nas mãos, e nem por isso os níveis de desempenho acadêmico se transformaram.